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Gal Costa, um acontecimento

Todos foram pegos de surpresa com a notícia da morte de Gal Costa nesta quarta-feira (09). Talvez porque a cantora foi uma dessas artistas cuja importância era tão grande, que parecia uma entidade, uma figura imortal que seria cultuada em vida por várias gerações. Em um texto para o encarte do disco “Gal” de 1969, Caetano Veloso colocou Gal Costa como um dos acontecimentos mais importantes da música brasileira da época justamente por sua grandiosidade. E mesmo com o passar dos anos, Gal nunca deixou de ser um acontecimento.

A baiana chamada Maria Graça nascida em Salvador, em 1945, começou sua carreira cantando bossa nova ao lado do “mano” Caetano no disco Domingo, de 1967. Mas foi o movimento tropicalista que transformou a gata de canto meigo em uma tigresa de vocal grandioso. Uma espécie de Janis Joplin de cabelos belos como uma juba que, acompanhada de músicos como Lanny Gordin e Rogério Duprat, gravou sucessos como “Baby”, “Divino Maravilhoso”, “País Tropical” e “Meu Nome é Gal”.

Nos anos 1970, em um Brasil regido pela ditadura militar e pelo conservadorismo, Gal se converteu em uma musa subversiva, que utilizou toda a sua sensualidade para incomodar os caretas. Em suas apresentações ao vivo, Gal tocava violão com as pernas abertas, seduzindo a todos com seu canto cristalino tal como uma sereia. Além disso, o disco “Índia”, de 1973, por conta da censura, teve que ser vendido envolto em um plástico azul para esconder a capa que trazia em destaque Gal usando apenas uma tanga vermelha, enquanto a contra-capa mostrava a cantora vestida de índia.

Na década seguinte, Gal abraçou a sonoridade oitentista que imperava no Brasil e se tornou uma espécie de “diva pop”, consagração que veio com a canção “Vaca Profana” presente no disco “Profana”, de 1984, cuja capa traz a cantora com o cabelo cheio e a cara branca passando um batom vermelho. Escrita por Caetano Veloso, a canção traz um verso que define bem o que Gal fez ao longo de sua carreira: derramar o leite mau na cara dos caretas.

Gal foi uma artista de grande versatilidade. Cantou rock, samba, baião e baladas românticas. Gravou Roberto Carlos, Jards Macalé, Gilberto Gil, Dorival Caymmi, Luiz Melodia, Lupicínio Rodrigues e muitos outros. Também, soube reconhecer a importância dos novos compositores, chegando a gravar canções de gente como Tim Bernardes, Emicida e Mallu Magalhães.

No dia 5 de novembro, era para Gal Costa ter se apresentado no festival Primavera Sound em São Paulo, onde iria tocar na íntegra o clássico “Fa-Tal – Gal a Todo Vapor”, disco lançado em 1971 e que foi o primeiro álbum duplo da história do Brasil. Porém, a apresentação foi cancelada para que a cantora se recuperasse de uma cirurgia.

Com o anúncio do falecimento de Gal Costa, parece que o mundo ficou mais chato. Em um momento em que o país voltou a ter esperança, a morte de Gal veio como um atropelamento. Justamente a Gal que nos períodos mais difíceis entrava em nossos ouvidos cantando que é preciso estar atento e forte. Mas certamente ela não temeu a morte. Porque a morte foi o último acontecimento de sua vida. E agora, Gal pode finalmente abranger outros planos com a sua imensidão.