*Por Vinicios Cardozo, advogado criminalista do GMP&GC Advogados Associados
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu um passo significativo ao formar maioria para descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. A decisão, que ainda aguarda a definição de critérios específicos como a quantidade permitida para consumo próprio, já marca uma mudança crucial na forma como o Brasil lida com as drogas.
A decisão do STF não é uma simples formalidade jurídica. Ela reflete um entendimento mais moderno e justo sobre as políticas de drogas e seus impactos na sociedade. Ao descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal, o STF reconhece a inconstitucionalidade de punir usuários sem critérios objetivos. Essa mudança de paradigma é essencial, pois até agora, a falta de parâmetros claros permitia interpretações subjetivas e, muitas vezes, arbitrárias por parte de policiais e juízes.
Importante ressaltar que esta decisão não legaliza a maconha. O tráfico da substância continua sendo crime. O que o STF fez foi distinguir entre o usuário e o traficante, evitando que indivíduos pegos com pequenas quantidades para consumo próprio sejam criminalizados e fichados como delinquentes. Isso é fundamental para uma justiça mais equânime, que não penalize injustamente aqueles que já se encontram em situações de vulnerabilidade.
Um ponto crítico que precisa ser destacado é como a falta de critérios objetivos na atual legislação impacta de maneira desproporcional pessoas de diferentes origens sociais e raciais. Dados oficiais indicam que a quantidade de droga que uma pessoa porta para ser considerada criminosa pode variar significativamente dependendo da cor do indivíduo e do local onde se encontra. Indivíduos brancos em bairros nobres, por exemplo, são frequentemente tratados com mais leniência, enquanto pessoas negras em áreas periféricas são mais rapidamente criminalizadas, mesmo portando menores quantidades de entorpecentes. Este tipo de discriminação institucionalizada não só é injusta, mas também perpetua desigualdades sociais profundas e históricas.
Alguns podem argumentar que o STF está invadindo a competência do Congresso Nacional ao tomar essa decisão. No entanto, o papel do tribunal é justamente garantir que as leis em vigor estejam em conformidade com a Constituição. Ao decidir pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, o STF cumpriu sua função de guardião dos princípios constitucionais, corrigindo uma lacuna legislativa que deixava margem para abusos e injustiças.
Esta decisão, no entanto, é apenas um passo em um caminho que precisa ser trilhado com responsabilidade e visão de futuro. A descriminalização do uso pessoal de maconha é um avanço importante, mas é insuficiente para resolver os complexos problemas associados às políticas de drogas. É necessário um debate mais amplo e aprofundado sobre a regulamentação e a legalização da maconha, seguindo exemplos de países que já implementaram políticas de drogas mais eficazes e humanas.
A sociedade brasileira precisa se engajar nesse debate, compreendendo que a criminalização excessiva e punitiva não é a solução para os desafios que enfrentamos. Ao invés de tratar usuários como criminosos, devemos buscar abordagens que promovam a saúde pública, a segurança e os direitos humanos. Isso inclui investir em programas de prevenção, tratamento e reintegração social, além de criar políticas que reduzam o poder do tráfico e protejam nossas comunidades.
A decisão do STF é um marco, mas é também um chamado à ação. É um convite para que todos nós – cidadãos, legisladores, profissionais do direito e da saúde – repensemos nossas abordagens e trabalhemos juntos por um Brasil mais justo e humano, e especialmente se pautem na dignidade das pessoas e promovam a justiça social.
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