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Conheça a Cidade dos Mortos em uma imersão pela memória, história e cultura de Curitiba


Quando se cruza o portal Cristo e Anjos do artista ítalo-curitibano Franco Giglio nas Visitas Guiadas Noturnas ao Cemitério Municipal São Francisco de Paula, uma cidade invisível, escura e um encanto estranho resplandece aos olhos, aos sentidos e às emoções de qualquer turista ou morador

Abertas uma vez por mês pela Prefeitura Municipal de Curitiba, especialmente em noites de luas cheias, as visitas coordenadas por Clarissa Grassi, diretora do Departamento de Serviços Especiais da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, levam o público, ao passar pelo Cristo de braços abertos, à misteriosa, histórica e secular Cidade dos Mortos, em Curitiba.

Enigmas revelados

Neste espaço enigmático, uma cidade deserta à noite, cheia de sombras, ruas estreitas e extensas, penumbra, numeração para identificar os moradores eternos, retratos antigos e imperativos, principalmente em preto e branco, envolvida por nomes conhecidos e memórias secretas, revela a história de Curitiba, do Paraná e de grandes personalidades inscritas em lápides, estelas, mausoléus, jazigos monumento e oratórios.

 

Necrópole Curitibana

A Cidade dos Mortos é a primeira necrópole de Curitiba, o Cemitério Municipal São Francisco de Paula, inaugurado em 1854, ainda com o nome de Cemitério Público, pelo então presidente de província, Zacarias de Goes e Vasconcellos.

Localizado no bairro São Francisco, ocupa atualmente uma ampla área de 51.414 metros quadrados. Dividido em 139 quadras, com 5.743 túmulos espalhados e cerca de 96 mil sepultamentos em 170 anos de história, o cemitério é uma espécie de Curitiba menor, uma pequena cidade refletida, historicamente, socialmente e culturalmente, em escala diminuta e reduzida.

Memória viva

A necrópole é apresentada aos visitantes a partir do túmulo de grandes personalidades. Conduzido por Clarissa Grassi, o tour aglutina as biografias em vários trajetos temáticos: geologia, arquitetura, arte tumular, músicos, artistas, políticos, personalidades, intelectuais, empresários e ritos de fé. São explorados ainda outros temas importantes como mulheres pioneiras, personalidades negras e clubes operários, futebol, ícones de Curitiba, revolução federalistas, entre mais segmentos.

Cada percurso contempla informações precisas sobre cada área levantada pelo projeto de pesquisa bibliográfica e de campo. Todos os túmulos foram catalogados e, até o momento, 500 personagens são indicados nos trajetos temáticos das visitas.

Pertencimento histórico

Além disso, a história do Cemitério Municipal se perpetua, é construída constantemente e, conforme a diretora Clarissa Grassi, ganha configurações diferentes todos os dias com a chegada de novos moradores, retratos sociais e tradições atualizadas com novos sepultamentos.

“O Cemitério Municipal São Francisco de Paula traz, com ele, principalmente, um sentimento de pertença ou pertencimento, ao apresentar, ao longo de toda a sua história e de cada novo dia, detalhes preciosos sobre Curitiba e seus personagens mais importantes, anônimos e proeminentes”, disse Clarissa Grassi.

Ela organiza todas as Visitas Guiadas, Noturnas e Temáticas ao local e também é autora do projeto Guia de Visitação ao Cemitério Municipal São Francisco de Paula – arte e memória no espaço urbano, desenvolvido a partir de 2011.

Com enfoque multidisciplinar, o projeto envolve as áreas de geologia, história, arquitetura, sociologia e arte. Também é composto por um guia de visitação impresso bilíngue e embasa todo o programa de visitas guiadas ao espaço.

Existem ainda outras duas publicações sobre o cemitério: Um olhar – a arte no silêncio, de 2006, que retrata 54 esculturas em sua simbologia, e o Memento Mortuorum, de 2016, que traz o inventariamento do cemitério e a proposta de tombamento.

Antes das visitas guiadas, Clarice recebe os grupos inscritos para uma palestra aberta, completa e complexa ao mesmo tempo. Em média, cada visita recebe 60 pessoas.

Fenômeno atrativo

A procura para as visitas guiadas ao Cemitério Municipal São Francisco de Paula são recorrentes e disputadas.

Geralmente, a abertura das inscrições para o passeio dura poucos minutos devido à demanda. “A visitas noturnas viraram um fenômeno de público, de desejo e interesse da comunidade. Basta abrir o cadastro, em poucos minutos, não temos mais vagas”, explicou ainda Clarissa.

Os números retratam o interesse geral. Desde 2017, quando as visitas passaram a ser oferecidas pela Prfeitura de Curitiba mais de 10 mil pessoas acompanharam a jornada pelos túmulos e histórias que guardam os restos mortais de personalidades, anônimos, um vasto acervo de exemplares arquitetônicos e obras de arte de diferentes épocas.

Perspectivas

A riqueza cultural, histórica e artística do local motiva a procura pelo passeio. Tal perspectiva é apresentada por Clarissa Grassi, logo na conferência de recepção aos visitantes, em frente ao portal Cristo e Anjos, na Praça Padre João Sotto Maior.

Na palestra, a diretora traz várias perspectivas históricas, sociais e culturais relacionadas à morte, aos hábitos, costumes, tradições, religiões e religiosidades, diferentes sociedades, tipologias, conceitos de imagética, símbolos sagrados e visões de mundo ao longo dos 170 anos de história que envolvem o Cemitério Municipal.

Além disso, Clarissa desmistifica conceitos sociais sobre a morte e também apresenta informações públicas de esclarecimento sobre os serviços funerários e de sepultamento oferecidos pelo município.

Preparação social

Na prática, toda a palestra, com mais de uma hora de duração, serve de preparação para a visita guiada e para elevar o nível de consciência dos grupos quanto à importância histórica, cultural e social contemplada pelo cemitério e também pelas personalidades em morada após a morte no local.

Ao final da palestra, o grupo segue para o passeio com cerca de duas horas de duração pelo cemitério. A visita passa por túmulos e paisagens híbridas de personalidades famosas como André de Barros, Maria Bueno, Helena Kolody, José Cândido da Silva Muricy, o Dr. Muricy, Emiliano Pernetta, Cândido Ferreira de Abreu, Vicente Machado da Silva Lima, entre outros nomes reconhecidos. Todos esses personagens são apresentados na passagem.

Ao longo do trajeto, são feitas várias paradas e algumas áreas específicas do Cemitério Municipal são comparadas, por Clarissa, a regiões e bairros de Curitiba, como Largo da Ordem, Centro Histórico e Batel.

A analogia se apoia nos moradores de cada sepulcro, na arquitetura de mausoléus, no status social enquanto eram vivos e no enredo de cada história registrada nas pesquisas.

Arte Viva

Todo esse contexto, a história, a cultura e a memória guardada atrás dos muros do cemitério chamam atenção de moradores, turistas e visitantes de várias partes.

O youtuber Everton Costa Colombo esperava uma vaga desde 2019, quando as visitas guiadas foram abertas ao público. Sobre o passeio, ficou surpreso, pois aguardava algo místico e sombrio apenas.

“A visita é bem diferente do que eu imaginava. Aqui é um passeio pela história, arte e cultura da cidade e do Paraná também”, disse Everton.

Para a arquiteta Tatielle Cintra, a memória da arte, a cultura e a arquitetura resistem e sobrevivem em todo espaço. “Eu tentei fazer o passeio quatro vezes até conseguir. Valeu muito à pena esperar, porque eu consigo visualizar aqui, por meio da história e de tantos personagens, a construção da cidade, o desenvolvimento da arquitetura e da cultura da sociedade”, destacou.

Reflexos culturais

O Cemitério Municipal São Francisco de Paula tem múltiplas referências arquitetônicas que refletem os fundamentos, a história e o desenvolvimento de Curitiba.

A arquitetura preservada dentro do espaço vai do colonial luso-brasileiro ao modernismo, de influências ecléticas, neocoloniais, art déco e parananista.

Dentre as esculturas, existem exemplares forjados em bronze ou talhados em mármore provindos de países como Itália, Portugal, Uruguai, Alemanha e França. O espaço abriga ainda peças confeccionas por artistas locais e nacionais como João Turim, Oswaldo Lopes, José Peón, Eugenio Prati.

A geodiversidade do cemitério abarca também 25 materiais líticos de origens como Portugal, Itália, além de granitos e rochas negras características da região.

Interesse histórico

A arte a história também despertaram o interesse do casal Ingrid Riboski e Lucas Antunes.

“Eu tinha muita curiosidade para participar da visita e estou entusiasmada, porque percebo a profundidade da história e da arte por todo o cemitério”, disse a arquiteta e professora Ingrid Riboski, nascida em São Paulo.

Do mesmo modo pensa o historiador ponta-grossense Lucas Antunes. “A história está espalhada por todo lugar e muita coisa aqui nós não encontramos nos livros das escolas e das faculdades”, destacou.

Círculo da morte

Além da grande área interna, envolta do Cemitério Municipal São Francisco de Paula, funcionam também, 24 horas por dia, diversas funerárias, crematórios e floriculturas.Toda essa estrutura estabeleceu, ao redor da área da necrópole, nos últimos anos, um verdadeiro círculo preparatório e comercial para acomodar, todos os dias, os novos habitantes do cemitério.

Abaixo da Praça Padre João Sotto Maior, próximo ao portão de acesso ao cemitério, também funcionam as Capelas Mortuárias Municipais, para velórios.

Divulgação e Inscrições

A divulgação das Visitas Guiadas é feita via redes sociais e no site guia.curitiba.pr.gov.br da Prefeitura de Curitiba. O processo de inscrição é via e-mail e pelo site com envio de dados pessoais dos interessados. A inscrição é aberta na segunda-feira da semana em que será realizado o passeio, com vagas limitadas.



Leia a matéria no site da Prefeitura de Curitiba