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COLUNA DO PEDRO: Se todos são iguais perante a lei, por que uma fila de vacinação?

Quase um ano após o início da maior epidemia mundial das últimas décadas, com milhares de mortos no Brasil, é natural que todos estejam cansados – muito cansados – e esperançosos para o fim do filme de terror que se iniciou com a COVID 19.

Na contramão da ciência de whatsapp, segundo a esmagadora maioria da comunidade científica especializada, a COVID 19 não conta com um tratamento medicamentoso apto a fornecer uma cura efetiva.

Desta forma, a saída para esta crise se dará por meio da vacinação, assim como anteriormente se deu com a varíola, sarampo, caxumba, rubéola, entre outras. Infelizmente ainda não inventaram uma vacina contra fake news.

Natural que todos – ou quase todos – estejamos ansiosos pela vacina, sendo a saúde um direito fundamental de todos os brasileiros.

Mas, sendo um direito que todos temos, e assumindo que todos são iguais perante a lei, por qual razão existe uma fila para a vacina? A existência de prioridade para alguns grupos serem vacinados não viola esta premissa? Não seria furar a fila?

Emprestando a fala dos professores de física da época de escola, em condições ideais de temperatura de pressão, poderia, em hipótese, ser uma violação. Mas por qual razão, na nossa realidade, não é?

Vamos imaginar um primeiro cenário: Enzo e Valentina, ambos de 18 anos, chegam em um posto médico, um depois do outro, para serem atendidos o dedão do pé quebrado. Existe apenas um médico. Quem é atendido primeiro? Neste caso, por ambos terem o mesmo problema, com a mesma gravidade, além de um perfil parecido, respeitamos a ordem de chegada. É uma aplicação simples do princípio da isonomia, que afirma que todos são iguais perante a lei.

Num segundo cenário, contanto o posto médico com apenas um médico, o mesmo Enzo chega com o dedão do pé quebrado, e, logo após, chega Astolfo, de 85 anos, em parada cardíaca. Enzo chegou primeiro, contudo a gravidade do quadro de Astolfo, que pode resultar em óbito, fará ele ser atendido primeiro.

Com isso podemos dizer que a ordem de chegada é a regra, mas o maior risco à vida gera uma exceção; isto pois, embora todos tenham direito a saúde, a saúde de um está sob uma ameaça concreta maior do que a do outro.

Riscos de mesmo tamanho possuem a mesma prioridade. Riscos maiores possuem prioridade maior.

Esta é a lógica da fila de vacinação, todos têm o direito à vacina, é a regra, mas aqueles que estão mais expostos ao risco e aos danos decorrentes possuem prioridade.

Claro, importante notar que o que separa a exceção da violação da regra é a justificativa. Ao eleger grupos prioritários, a autoridade pública tem a obrigação de apresentar a justificativa de sua escolha, comprovando as suas razões.

A fila de vacinação é um exercício do direito à saúde, da mesma forma que respeitar a fila é um exercício de cidadania.

Furar a fila de vacinação é feio e deixa a mamãe triste. Além de ser ilegal.

Juntos e vacinados, cada um respeitando a sua vez, superaremos a COVID 19.

Pedro Guimarães Filho é Advogado, Mestre em Direito e Professor.