Baseado no livro homônimo da escritora Joyce Carol Oates, Blonde propõe um exercício de ficção em torno da figura de uma das maiores estrelas da história do cinema, a atriz Norma Jeane, mais conhecida como Marilyn Monroe. O longa tem produção da Netflix e a missão de adaptar a história para as telas ficou a cargo do diretor neozelandês Andrew Dominik, mais conhecido pelo filme O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford (2007).
Os primeiros 20 minutos já são mais que suficientes para que o espectador entenda qual será o tom do filme pelas próximas 2h27 e de que forma Dominik irá lidar com essa história que é permeada por traumas. Afinal, nesse curto intervalo de tempo já é possível ver agressões físicas, abuso infantil, uma tentativa de assassinato e uma cena de estupro. Além disso, é possível identificar algumas escolhas estilísticas que também irão permanecer durante todo o filme, como a troca de aspect ratio (formato do quadro cinematográfico) e a alternância entre filmar em cor e em preto e branco. Ambas escolhas são completamente esvaziadas de sentido, já que não encontram nenhuma função na narrativa que não seja meramente estética.
Não há como julgar a intenção de um filme, apenas o resultado final. E por mais que Blonde tenha intenção de denunciar os abusos que acontecem não somente com a protagonista, mas também com as mulheres em Hollywood de maneira geral, o que acontece na prática é exatamente o oposto. Dominik se torna cúmplice do que parece querer condenar ao reduzir a figura emblemática de Monroe a uma mulher cujo único propósito é o sofrimento e este não pode ocorrer de qualquer modo, já que a angústia da personagem é sempre capturada de uma maneira estéticamente agradável. Consequentemente, a estrela de cinema Marilyn Monroe se apaga quase que completamente, já que sua relação com os próprios filmes é sempre tratada de maneira superficial e/ou exploratória, seja indo às lágrimas na leitura de roteiros ou quando enfim aparece durante a gravação de um dos momentos icônicos de sua carreira no filme O Pecado Mora ao Lado (1955), cena que não apenas trata o acontecimento como mera objetificação masculina, mas também a utiliza como motivação para uma nova agressão.
A escolha isolada de mostrar uma vida repleta de abusos não é necessariamente boa ou ruim, mas o que acontece em Blonde é que o diretor não oferece nenhuma progressão para a sua protagonista em meio a tanta desgraça. Quando vemos Marilyn sofrer não aprendemos nada novo (parece que ela também não) ou sequer temos oportunidade de observar como a personagem lida com tantas questões traumáticas. A montagem, que busca confundir mais do que explicar, também colabora para que haja uma sensação de que o filme está apenas saltando de um abuso para o outro, como se a protagonista estivesse presa numa versão macabra de Feitiço do Tempo (1993) ou algo parecido.
A única questão que permanece ao longo do filme, para além dos repetidos abusos, é a necessidade de Norma Jeane em conhecer seu pai, cujas cartas pareciam ser a única coisa que a personagem tinha de bom e verdadeiro em sua vida. Entretanto, no ato final, a personagem descobre que quem escrevia as cartas em nome de seu pai era na verdade um de seus ex-namorados, ou seja, o único alívio na vida de Norma também era uma mentira. Após esse ponto, não há surpresa alguma com a sugestão de suicídio que encerra o filme.
Por se tratar de uma biografia ficcional, Blonde poderia ter explorado os mais diversos caminhos ou, na pior das hipóteses, ter tratado sua protagonista – uma das maiores estrelas de cinema e da cultura pop de todos os tempos – com um pouco mais de dignidade. É preciso destacar também que Ana de Armas oferece uma grande atuação e sua caracterização está impecável, especialmente nos trejeitos e no tom de voz assustadoramente parecido com o de Monroe, no entanto, seu talento e dedicação perdem força à medida em que Andrew Dominik opta por fazer um filme completamente apelativo, explorando o sofrimento, o corpo e o peso histórico da atriz a troco de nada, ou melhor, talvez na esperança de conseguir uma indicação ao Oscar.
Texto por André Fernandes
Blonde (2022) está disponível em streaming na Netflix.
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