Arquivos

Desculpe o transtorno, preciso falar do Inter 2

inter-2

Conheci ele no terminal. Essa frase pode parecer normal para quem é pobre, como eu, e já marcou um encontro em algum terminal de Curitiba. Mas o terminal em questão era o Campina do Siqueira que mistura campolarguenses, curitibanos e cachorros que dormem por lá. Ele estava parado. Eu estava esperando para pegar uma casquinha daqueles sorvetes que são feitos de dois galões de líquidos coloridos. Ele estava lá. Parado e fazendo fumaça. Nunca vou me esquecer: saí me atropelando para tentar alcançá-lo.

Enquanto todos corriam, ele estava parado. Quando saíam se trombando uns com os outros, ele continuava parado. Quando gritavam para ele esperar, ameaçava que ia fechar suas portas. Os faróis, sempre imensos e amarelos, deixavam claro que estava prestes a sair. Foi tristeza à primeira vista. Só pra mim, acho.

Passamos vários dias juntos passeando pela cidade ao som de “Porta Fechando” e “Próxima Parada”. De lá, migramos pro Cabral. Do Cabral pro Boa Vista, do Boa Vista pro Santa Cândida, do Santa Cândida, aí já paramos porque depois é Colombo.

Começamos a passear quando eu tinha uns 10 anos e não sabia que o terror começava ali. Passamos por vários bairros. Algumas várias vezes. Fizemos todas as conexões existentes. Sentimos muito cheiro de vômito e desodorante vencido. Nunca pude escolher lugar, pois a procura sempre foi grande. Já sofremos acidentes, barracos, pisões no pé, Casa Manassés. Fizemos milhares de quilômetros juntos e nesse trajeto vimos muitas coisas. Fizemos mais de 190209821091 piadas inspiradas em nossas experiências – acabei de contar. Sofremos com os furões de tubo, rimos com os bêbados. Viajamos Curitiba inteira dividindo o mesmo choro de criança. Das dez piores coisas da minha vida, sete foi ele que me mostrou. As outras três foi no Centenário / C. Comprido e no Colombo / CIC. Aprendi que dois corpos ocupam um mesmo lugar sim, contrariando Newton, é possível se manter de pé em uma curva sem usar as mãos, busologia e outras coisas que o Word tá sublinhando de vermelho porque o Word não teve o azar de pegar você como eu pego.

Um dia, terminarei. Não será fácil. Ficarei mais feliz que a “Bêbada do John Bull” dando entrevista. Mais misterioso que o “Mendigo Gato” em frente à igreja na Praça Tiradentes. Até hoje, não tem um lugar que eu vá em que alguém não diga, em algum momento: não tem carro? Parece que, pra sempre, vou ter que conviver com isso. Se ao menos eu arranjasse um lugar para descansar, eu penso. Andaria sempre contigo.

Essa semana, passei novamente, pelo tubo que te peguei pela primeira vez  – não por acaso uma história de horror. Achei que fosse chorar tudo de novo. E o que me deu foi uma depressão muito profunda de ter vivido horrores dentro do latão. E de ter esse horror documentado em memes – e em tantos tweets, vídeos e nesta crônica. Não falta nada.